A Mosca da Cabeça Branca
Por sugestão da leitora Diana Alonso Deejay, que nos fez um pedido em nossa fanpage, resgataremos aqui um clássico da ficção científica mundial. A Mosca da Cabeça Branca de 1958 (não confundir com o filme A Mosca, de David Cronenberg, em 1986). Dirigido por Kurt Neumann, que assinou também a pérola Da Terra à Lua, o filme apesar de ser classificado como terror, é na verdade um belo drama. E esconde muito bem as dificuldades de efeitos especiais com um suspense inicial bem implantado.
Tudo começa com um gato preto atravessando a rua. Não poderia ser bom presságio mesmo. Logo depois vemos um vigia presenciando o final de um assassinato, a jovem senhora Helene Delambre acaba de matar seu amado marido, Andre. O que se torna um grande mistério, principalmente para seu cunhado, François Delambre, que tenta a todo custo convencer o inspetor local que a cunhada só pode ter tido um bom motivo.
O motivo, hoje é mais do que conhecido, não pode nem ser considerado um spoiler à verdadeira trama. Na verdade tudo gira em torno do cientista Andre Delambre, que acaba de inventar o teletransporte. Apesar de alguns ajustes e o sumiço do gato de estimação da família, tudo levava a crer que ele teria o invento do século, até que resolve se teletransportar e não percebe que uma mosca entrou no compartimento com ele. É essa mosca que se transforma na mosca da cabeça branca, título que o filme ganhou no Brasil, já que o original é apenas The Fly. Afinal, ao se unirem e separarem do outro lado, o DNA de ambos foi misturado, gerando um homem-mosca e uma mosca-homem.
Mesmo conhecendo a trama, não deixa de ser fascinante ver a construção do roteiro que nos dá pistas e entrega a situação aos poucos. Primeiro, o assassinato, depois a atitude inexplicável e fixação em examinar de perto as moscas da casa, caindo em prantos quando a enfermeira mata uma delas. Todo o mistério parece estar mesmo na tal mosca com sua cabeça branca e perna engraçada, como definiu o filho do casal. E a forma como o flashback vai nos mostrando aos poucos o que aconteceu, também é interessante. O desfecho é outro ponto positivo, pelo menos ele pouparei no texto, mas George Langelaan e James Clavell conseguem construir uma solução com coerência interna, apesar do bizarro da situação.
A construção do suspense é feita em paralelo a uma ironia interessante e dão o tom da trama. Há frases como "não faria mal a uma mosca", para descrever a personalidade da protagonista. Há sempre uma construção subliminar, uma nova interpretação, uma pista. Apesar de fantasiosa, a história procura se centrar na ciência, com moléculas, átomos e DNA para explicar os fenômenos. O próprio teletransporte é um sonho antigo do homem. E as intenções do cientista Andre demonstram-se extremamente nobres, quer mudar o mundo, melhorar a locomoção, acabar com a fome no planeta.
Já os efeitos são datados. A cena com a gata, por exemplo, é fantasmagórica, mas pouco aproveitada. Já a a cabeça de mosca é retardada o tanto quanto possível com um pano preto na cabeça, mas quando revelado não causa muito mais que riso na plateia de hoje que já viu as gosmas do filme de Cronenberg, por exemplo. Ainda assim, o clima construído pelo filme nos faz entrar naquele drama do casal, comprando o desespero da esposa que vê seu marido se perdendo aos poucos, transformado em um inseto.
As atuações também são datadas, exageradas, com bastante caras e bocas, mas nada que não fosse diferente do comum na época. Dentre o elenco, destaca-se Vincent Price, que faz François Delambre, o irmão do cientista Andre. O ator ficou marcado por filmes de terror e suspense, tanto que ganhou o apelido de Mestre do Macabro. Sua imagem e voz ficaram tão relacionadas a esse gênero que é ele quem narra o trecho falado no momento em que os mortos saem das tumbas no clipe Thrilller de Michael Jackson.
A Mosca da Cabeça Branca é daqueles filmes que ficam marcados na história. Um clássico do terror que deu origem às duas continuações O Monstro de Mil Olhos e A Maldição da Mosca, além da já citada refilmagem. Mesmo com efeitos especiais datados e uma história conhecida, consegue envolver ainda hoje por sua instigante história e direção bem conduzida.
A Mosca da Cabeça Branca (The Fly, 1958 / EUA)
Direção: Kurt Neumann
Roteiro: George Langelaan e James Clavell
Com: David Hedison, Patricia Owens e Vincent Price
Duração: 94 min.
Tudo começa com um gato preto atravessando a rua. Não poderia ser bom presságio mesmo. Logo depois vemos um vigia presenciando o final de um assassinato, a jovem senhora Helene Delambre acaba de matar seu amado marido, Andre. O que se torna um grande mistério, principalmente para seu cunhado, François Delambre, que tenta a todo custo convencer o inspetor local que a cunhada só pode ter tido um bom motivo.
O motivo, hoje é mais do que conhecido, não pode nem ser considerado um spoiler à verdadeira trama. Na verdade tudo gira em torno do cientista Andre Delambre, que acaba de inventar o teletransporte. Apesar de alguns ajustes e o sumiço do gato de estimação da família, tudo levava a crer que ele teria o invento do século, até que resolve se teletransportar e não percebe que uma mosca entrou no compartimento com ele. É essa mosca que se transforma na mosca da cabeça branca, título que o filme ganhou no Brasil, já que o original é apenas The Fly. Afinal, ao se unirem e separarem do outro lado, o DNA de ambos foi misturado, gerando um homem-mosca e uma mosca-homem.
Mesmo conhecendo a trama, não deixa de ser fascinante ver a construção do roteiro que nos dá pistas e entrega a situação aos poucos. Primeiro, o assassinato, depois a atitude inexplicável e fixação em examinar de perto as moscas da casa, caindo em prantos quando a enfermeira mata uma delas. Todo o mistério parece estar mesmo na tal mosca com sua cabeça branca e perna engraçada, como definiu o filho do casal. E a forma como o flashback vai nos mostrando aos poucos o que aconteceu, também é interessante. O desfecho é outro ponto positivo, pelo menos ele pouparei no texto, mas George Langelaan e James Clavell conseguem construir uma solução com coerência interna, apesar do bizarro da situação.
A construção do suspense é feita em paralelo a uma ironia interessante e dão o tom da trama. Há frases como "não faria mal a uma mosca", para descrever a personalidade da protagonista. Há sempre uma construção subliminar, uma nova interpretação, uma pista. Apesar de fantasiosa, a história procura se centrar na ciência, com moléculas, átomos e DNA para explicar os fenômenos. O próprio teletransporte é um sonho antigo do homem. E as intenções do cientista Andre demonstram-se extremamente nobres, quer mudar o mundo, melhorar a locomoção, acabar com a fome no planeta.
Já os efeitos são datados. A cena com a gata, por exemplo, é fantasmagórica, mas pouco aproveitada. Já a a cabeça de mosca é retardada o tanto quanto possível com um pano preto na cabeça, mas quando revelado não causa muito mais que riso na plateia de hoje que já viu as gosmas do filme de Cronenberg, por exemplo. Ainda assim, o clima construído pelo filme nos faz entrar naquele drama do casal, comprando o desespero da esposa que vê seu marido se perdendo aos poucos, transformado em um inseto.
As atuações também são datadas, exageradas, com bastante caras e bocas, mas nada que não fosse diferente do comum na época. Dentre o elenco, destaca-se Vincent Price, que faz François Delambre, o irmão do cientista Andre. O ator ficou marcado por filmes de terror e suspense, tanto que ganhou o apelido de Mestre do Macabro. Sua imagem e voz ficaram tão relacionadas a esse gênero que é ele quem narra o trecho falado no momento em que os mortos saem das tumbas no clipe Thrilller de Michael Jackson.
A Mosca da Cabeça Branca é daqueles filmes que ficam marcados na história. Um clássico do terror que deu origem às duas continuações O Monstro de Mil Olhos e A Maldição da Mosca, além da já citada refilmagem. Mesmo com efeitos especiais datados e uma história conhecida, consegue envolver ainda hoje por sua instigante história e direção bem conduzida.
A Mosca da Cabeça Branca (The Fly, 1958 / EUA)
Direção: Kurt Neumann
Roteiro: George Langelaan e James Clavell
Com: David Hedison, Patricia Owens e Vincent Price
Duração: 94 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Mosca da Cabeça Branca
2012-04-29T09:00:00-03:00
Amanda Aouad
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