Todo dia era dia de índio :: Filme | Cinema | Crítica | CinePipocaCult

Todo dia era dia de índio : CinePipocaCult :: bom cinema independente de estilo

CinePipocaCult : blog de cinema

recentes

Todo dia era dia de índio

Vale dos EsquecidosAntes senhores de suas terras, os povos indígenas foram sendo escravizados, dizimados ou apenas trancafiados em reservas que os tornaram seres em extinção e necessários de serem preservados por leis. Hoje temos diversos programas que tentam resgatar a cultura desses povos e mantê-las vivas e o dia 19 de abril é o símbolo dessa luta, instituído por Getúlio Vargas em 1943 como o Dia do Índio. Mas, homenagear esses povos, os verdadeiros brasileiros, não é apenas se pintar e colocar um cocar na cabeça como faz a maioria dos colégios primários. É preciso antes de mais nada, respeitar essas pessoas e entender que elas merecem mais do que esmolas.

No cinema, alguns filmes surgem tratando do problema, vide os já citados aqui Terra Vermelha, Hotxuá e Xingu. Esses dois últimos ainda em cartaz em todo o Brasil. Outro filme interessante, só para ficar no território brasileiro, é A Floresta Das Esmeraldas dirigido por John Boorman, que é marcado como o primeiro trabalho de Dira Paes, como a índia Kachiri. O filme conta a história de Bill Markham, interpretado por Powers Boothe, um engenheiro que vai ao Brasil participar da construção de uma hidrelétrica que irá desapropriar diversos índios. Em represália, a tribo sequestra seu filho pequeno e o cria como um deles. E tem ainda o filme Brincando nos Campos do Senhor, de Hector Babenco. Adaptação do romance homônimo de Peter Mathiesse, a história trata de um casal missionário que tenta catequizar índios na selva amazônica, tendo como foco principal a intolerância à diferenças.

Vale dos EsquecidosE amanhã chega aos cinemas mais um filme sobre índios e seus conflitos com os brancos. Vale dos Esquecidos, dirigido por Maria Raduan que aborda a disputa pela região considerada o maior latifúndio do mundo na década de 70, conhecida como a Fazenda Suiá-Missú, cuja área é equivalente a 252 vezes a ilha de Manhattan. Se você acha que a única disputa de terra complexa é a do Oriente-Médio, é bom conhecer essa aqui, porque pode não ter uma das principais reservas de petróleo para chamar a atenção de grandes potências, mas está longe de ser resolvida.

O Estado do Mato-Grosso começou a ser ocupado na década de 70, com o incentivo do Governo para explorar melhor essas terras e suas riquezas. Diversos trabalhadores começaram a se dirigir para o local como uma espécie de novas "entradas e bandeiras". Isso pode ser visto no filme de Cao Hamburger, Xingu, que mostra uma dessas expedições onde os irmãos Villa-Boas embarcaram. Foi assim que surgiu a Suiá-Missú, a maior fazenda do mundo com 1,5 milhão de hectares. O latifúndio foi criado a partir das terras de Ariosto Riva e pelo Grupo Ometto que recebeu da SUDAM um financiamento de 30 milhões de dólares na época. Isso só foi possível graças a um documento da FUNAI atestando a inexistência de índios na região, o que não era verdade. Pronto, problema instalado, milhares de índios da tribo Xavante Marawãtsède foram expulsos de suas terras.

Vale dos EsquecidosNos anos 80, o latifúndio passou para as mãos da petrolífera italiana Agip do Brasil, que em acordo com o governo nacional após a ECO 92 propôs a devolução das terras aos indígenas. Mas, como re-organizar índios em um espaço tomados por posseiros, grileiros e sem-terra? O fogo passou a ser a arma da guerra, que parece não ter fim nunca. O quadro parece sem solução em uma terra que apesar de imensa não dá para todos: índios expulsos do seu lugar de origem, posseiros em busca de um pedaço de terra, grileiros invadindo terras ilegalmente, sem-terras esperando as decisões do governo e fazendeiros lutando para manter suas propriedades. E assim, vão destruindo a mata, sem chegar a uma solução amigável.

O documentário Vale dos Esquecidos busca explorar esses diversos mundos que existem na fronteira faroeste entre o Araguaia e a bacia amazônica, observando cada um desses universos tentando entender a disputa por terra colocando-se no lugar de índios, posseiros, fazendeiros e sem-terra. "O documentário confronta o posicionamento de cada um desses grupos, examinando uma parte do país em que a violência se firma como primeiro idioma e o fogo consome uma mata que queima há quase cinqüenta anos", afirma o material de imprensa. Seria "um relato sobre o desejo intrínseco do homem pela posse da terra, um retrato sobre a vida na Amazônia, uma obra que conta a história de um pedaço do Brasil em guerra contra si mesmo".


A diretora do filme, Maria Raduan, começou sua carreira como publicitária, na DM9, fundando posteriormente a agência Toró, onde começou a trabalhar mais intensamente com as produções audiovisuais. Em 2006, realizou o documentárioMulheres da Roça”, que retrata o dia a dia de mulheres que vivem em áreas rurais do Brasil. Em 2007, finalizou o projeto “Rubico”, um documentário biográfico sobre o pecuarista Rubico Carvalho, em que exerce as funções de direção e produção. Abaixo uma pequena entrevista disponibilizada pela assessoria de imprensa em que Maria Raduan fala sobre o filme:

Vale dos Esquecidos - Maria RaduanComo surgiu a ideia de realizar o documentário Vale dos Esquecidos?
Sou muito ligada a natureza, apaixonada pelo Brasil e tenho uma relação muito forte com o sertão, mas sempre achei que esse assunto nunca tinha sido retratado da maneira correta. Costumava passar as férias na fazenda da minha família, em meio aos animais, pastos e peões. Este é um mundo realmente muito próximo para mim. Essa é um assunto que raramente é abordado e as poucas vezes que isso ocorre é feito de maneira superficial.

Quais foram as dificuldades encontradas durante a realização?
É difícil falar com um posseiro no meio do mato que está com um revólver na cinta, e eu me sinto muito a vontade para fazer isso. Já visitei tribos inúmeras vezes é um assunto que tenho intimidade, mas os índios Xavante Marawãtsède foram muito mal tratados e por isso são defensivos, a primeira vez que estive lá foi muito tenso. As mulheres me hostilizavam e tiveram alguns momentos que tive medo. Mas durante os dois anos entre idas e vindas para a pré-produção e a captação das imagens, eles passaram a ser menos repelentes e consegui estabelecer uma relação com a tribo.

Vale dos Esquecidos - Maria RaduanComo se deu a escolha dos personagens entrevistados?
Saí a campo e passei por diversos lugares para conhecer as pessoas, convivi com os sem-terras. Me deslocava pela região em busca dos nomes que eram citados pelos entrevistados e realizei um grande estudo quando voltei para São Paulo a fim de compreender todo o contexto em que vivem essas pessoas para assim poder dimensionar todas as partes da história. Tive alguns problemas com a logística, tudo no Vale é muito longe. Para sair de Goiânia e chegar até o Vale dos Esquecidos são necessárias 14 horas de carro. Qualquer mudança de locação necessita de muitas horas de transporte.

Vale dos Esquecidos - Maria RaduanComo você definiu a condução da narrativa?
Eu demorei a entender a história que iria contar, isso só foi definido de fato com a Jordana Berg, na ilha de edição. A princípio queria entender a história dos índios e durante o processo percebi que existiam muitas outras variáveis e seria impossível contar uma história sem retratar as outras. Foi quando percebi que o Vale dos Esquecidos seria uma radiografia de como é a Amazônia brasileira hoje. Os protagonistas dessa história sempre foram os mesmos ao longo dos anos: o fazendeiro, o índio, o sem-terra, o posseiro e o fogo. Seja no Acre, Mato Grosso, Tocantins ou Pará os elementos sempre são esses, a história pode ser um pouco diferente, mas sempre combina essas variáveis. O Vale dos Esquecidos fala dessas pessoas que lutam por terra, que criam inimizades por conta dessa disputa e que chegam a matar seus rivais em nome da posse de um território.

CinePipocaCult :: bom cinema independente de estilo Designed by Templateism.com Copyright © 2014

Tecnologia do Blogger.