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Laranja Mecânica
Laranja Mecânica
Aproveitando a cópia restaurada que vai ser relançada nos cinemas, resolvi falar aqui desse clássico de Stanley Kubrick. Laranja Mecânica foi um filme que marcou época, adaptação para o cinema da obra de Anthony Burgess, questiona violência, valores familiares, Guerra Fria, Governo Totalitário, liberdade de escolha e diversas outras sutilezas em um futuro incerto.
A trama é narrada por seu protagonista, Alexander DeLarge, o 655321, ou simplesmente Alex. Um jovem chefe de uma gangue que à noite espanca velhinhos na rua e invade casas alheias para estuprar e espancar seus moradores. Tudo com uma postura irônica assustadora, a ponto de cometer o ato de violência cantando "Singing in the Rain". Até que um dia, esse jovem é pego, condenado e aceita participar de um experimento que promete reenquadrá-lo na sociedade, o Experimento Ludovico. Após as sessões, Alex não consegue mais cometer nenhum ato de violência, mas não porque aprendeu, e sim, porque seu corpo o obriga a isso.
A construção caótica de Alex é um dos principais fascínios do filme. Aquela figura exótica com aquela roupa, chapéu e bengala, andando pelas ruas como se atuasse o tempo inteiro. E claro, ele está atuando, mas o balé construído por Kubrick não soa real mesmo. Parece saído de alguma imagem onírica. Ah, claro, e ele bebe leite, não usa nenhum tipo de entorpecente que possa ser culpado por suas atitudes. Porém, Alex não é um estereótipo de um delinquente juvenil, ele tem uma cobra de estimação que guarda em uma gaveta, demonstrando que tem algum sentimento. E ama a música de Ludwig van Beethoven, provando que tem alguma sensibilidade. É um ser exótico, em um mundo impalpável.
Seus pais são construídos como seres ainda mais estranhos. A forma como se comunicam e aceitam as desculpas do filho, sem nem ao menos saber o que este faz à noite nas ruas, chama a atenção. Mas, é quando Alex retorna para casa que a situação fica ainda mais insólita. Parece que o próprio conceito de instituição familiar também está caótica nesse futuro instável pós-Guerra Fria. Um futuro onde questões éticas são também coisa do passado, vide a frase de um dos médicos do instituto que diz "não nos preocupamos com a ética, mas com a diminuição da criminalidade".
E é nisso que está o ponto-chave de Laranja Mecânica. A ética e o limiar de humanidade. Alex poderia ser enquadrado como um monstro, um ser que se divertia em praticar violência com quem quer que fosse, inclusive com seus droogs. Mas, ao sofrer a lavagem cerebral e não praticar mais atos violentos, Alex não se tornou um ser humano. Pelo contrário, se tornou alguma espécie de prisão dentro de si mesmo, incapaz não apenas de agredir alguém, mas também de se defender.
E nessa constante inversão de valores acabamos confusos também, rejeitando todas as atitudes de Alex, da polícia, dos cientistas, dos pais, do velho, do partido, do dono da casa. Como não sentir a dor de Alex em seu desespero ao ouvir Beethoven como trilha sonora de uma das sessões de "tortura"? Ou mesmo quando é preso no quarto ouvindo a mesma música em uma altura tal que só lhe dá uma opção? A interpretação de Malcolm McDowell, claro, é fundamental para nos envolvermos com o personagem, mesmo em sua construção irônica inicial. Acabamos, mesmo sem querer, nos importando com aquele ser repugnante.
A forma como Kubrick conduz a história também é fundamental para tanto sucesso. Há ironia em detalhes, em uma câmera que segue mais lenta para mostrar os personagens "marchando" para sua missão na noite. Ou a forma como procura diversos ângulos que demonstram o balé da luta das gangues. Isso sem falar na ménage à trois construída no modo acelerado ao som da abertura de William Tell, composta por Gioacchino Rossini, em uma harmonia perfeita. Há também a obsessão do diretor por imagens gráficas como na cena em que filma o corredor da prisão, com os arcos em perfeito sincronismo e os personagens é que se aproximam da câmera.
Esses e outros detalhes, fizeram de Laranja Mecânica um ícone cult, um mito maior até que a obra, arriscaria dizer. Mas que traz significados, metáforas e pensamentos que merecem mesmo revisões sempre, basta ultrapassar o superficial de que é um filme "violento", como os ingleses fizeram na época, levando Kubrick a proibir o filme no país. De qualquer maneira, um filme eterno. E que bom que continuam restaurando e cuidando para que não se perca para as futuras gerações.
Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971 / EUA)
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick
Com: Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates
Duração: 136 min.
A trama é narrada por seu protagonista, Alexander DeLarge, o 655321, ou simplesmente Alex. Um jovem chefe de uma gangue que à noite espanca velhinhos na rua e invade casas alheias para estuprar e espancar seus moradores. Tudo com uma postura irônica assustadora, a ponto de cometer o ato de violência cantando "Singing in the Rain". Até que um dia, esse jovem é pego, condenado e aceita participar de um experimento que promete reenquadrá-lo na sociedade, o Experimento Ludovico. Após as sessões, Alex não consegue mais cometer nenhum ato de violência, mas não porque aprendeu, e sim, porque seu corpo o obriga a isso.
A construção caótica de Alex é um dos principais fascínios do filme. Aquela figura exótica com aquela roupa, chapéu e bengala, andando pelas ruas como se atuasse o tempo inteiro. E claro, ele está atuando, mas o balé construído por Kubrick não soa real mesmo. Parece saído de alguma imagem onírica. Ah, claro, e ele bebe leite, não usa nenhum tipo de entorpecente que possa ser culpado por suas atitudes. Porém, Alex não é um estereótipo de um delinquente juvenil, ele tem uma cobra de estimação que guarda em uma gaveta, demonstrando que tem algum sentimento. E ama a música de Ludwig van Beethoven, provando que tem alguma sensibilidade. É um ser exótico, em um mundo impalpável.
Seus pais são construídos como seres ainda mais estranhos. A forma como se comunicam e aceitam as desculpas do filho, sem nem ao menos saber o que este faz à noite nas ruas, chama a atenção. Mas, é quando Alex retorna para casa que a situação fica ainda mais insólita. Parece que o próprio conceito de instituição familiar também está caótica nesse futuro instável pós-Guerra Fria. Um futuro onde questões éticas são também coisa do passado, vide a frase de um dos médicos do instituto que diz "não nos preocupamos com a ética, mas com a diminuição da criminalidade".
E é nisso que está o ponto-chave de Laranja Mecânica. A ética e o limiar de humanidade. Alex poderia ser enquadrado como um monstro, um ser que se divertia em praticar violência com quem quer que fosse, inclusive com seus droogs. Mas, ao sofrer a lavagem cerebral e não praticar mais atos violentos, Alex não se tornou um ser humano. Pelo contrário, se tornou alguma espécie de prisão dentro de si mesmo, incapaz não apenas de agredir alguém, mas também de se defender.
E nessa constante inversão de valores acabamos confusos também, rejeitando todas as atitudes de Alex, da polícia, dos cientistas, dos pais, do velho, do partido, do dono da casa. Como não sentir a dor de Alex em seu desespero ao ouvir Beethoven como trilha sonora de uma das sessões de "tortura"? Ou mesmo quando é preso no quarto ouvindo a mesma música em uma altura tal que só lhe dá uma opção? A interpretação de Malcolm McDowell, claro, é fundamental para nos envolvermos com o personagem, mesmo em sua construção irônica inicial. Acabamos, mesmo sem querer, nos importando com aquele ser repugnante.
A forma como Kubrick conduz a história também é fundamental para tanto sucesso. Há ironia em detalhes, em uma câmera que segue mais lenta para mostrar os personagens "marchando" para sua missão na noite. Ou a forma como procura diversos ângulos que demonstram o balé da luta das gangues. Isso sem falar na ménage à trois construída no modo acelerado ao som da abertura de William Tell, composta por Gioacchino Rossini, em uma harmonia perfeita. Há também a obsessão do diretor por imagens gráficas como na cena em que filma o corredor da prisão, com os arcos em perfeito sincronismo e os personagens é que se aproximam da câmera.
Esses e outros detalhes, fizeram de Laranja Mecânica um ícone cult, um mito maior até que a obra, arriscaria dizer. Mas que traz significados, metáforas e pensamentos que merecem mesmo revisões sempre, basta ultrapassar o superficial de que é um filme "violento", como os ingleses fizeram na época, levando Kubrick a proibir o filme no país. De qualquer maneira, um filme eterno. E que bom que continuam restaurando e cuidando para que não se perca para as futuras gerações.
Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971 / EUA)
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick
Com: Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates
Duração: 136 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Laranja Mecânica
2013-04-24T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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