Walachai em alemão antigo significa lugar longínquo, perdido no tempo. E é isso que a cidade de Walachai é, apesar de ficar a apenas 100km de Porto Alegre. Seus moradores, descendentes de alemães, vivem de uma maneira simples, sem muitas tecnologias, trabalhando na roça, ou na fábrica de calçados da região. Produzem suas próprias carroças e ficam por ali, dentro de suas próprias fronteiras como um grupo fechado que fala, inclusive, um dialeto próprio.
Na escola, as crianças aprendem português (que eles chamam de brasileiro), mas no dia a dia, falam uma linguagem que é uma mistura que só o tempo explica, não é mais o alemão. Tanto que os depoimentos confirmam que alemães que foram visitar o local não os entendiam e eles não entendiam os alemães. A coisa é tão fechada que a maioria não vê televisão, apenas ouve rádio, que, por ser local, toca músicas alemãs. Mesmo assim, eles fazem questão de se dizer brasileiros. Até mesmo quando vão torcer pelo futebol. A maioria, pouca coisa sabe sobre a Alemanha ou se identifica com o país de origem de seus antepassados.
É contraditório, é verdade. Mas, eles vivem de uma maneira tão simples e honesta que não se pode falar nada a não ser se encantar que exista isso lá no Sul do nosso país. Como um mundo à parte. Os depoimentos vão nos contando as histórias mais inusitadas daquela cidadezinha. Um dos pontos mais interessantes é quando os mais velhos falam do difícil período da Segunda Guerra Mundial. Afinal, o Brasil entrou na Guerra contra a Alemanha. E o presidente Getúlio Vargas proibiu qualquer ligação com a língua daquele país. Como muitos não entendiam o português, ficaram quase incomunicáveis. E alguns foram presos.
Rejane Zilles constrói os depoimentos em uma cadência interessante que abre e fecha o ciclo com a simpática Bertha, que todos os dias tem a rotina de tocar o sino da cidade anunciando o dia. Intercalando as imagens e depoimentos, há também telas de um artista local, Flavio Scholles que, de certa maneira, ilustra tudo aquilo em seus quadros. É um jogo interessante que nos ajuda na construção imagética daquele mundo.
Aliás, a fotografia de Walachai é um item que chama atenção à parte. Muito bem cuidada, bonita de se ver e com enquadramentos precisos que nos transportam para aquele lugar. Com a ajuda da trilha, nos passa uma sensação bucólica e melancólica ao mesmo tempo. Nos deixa a sensação de cumplicidade com aquelas pessoas, aquele ritmo de vida. E, ao mesmo tempo, nos dá um sentimento de estranhamento, imaginando como seria viver assim, isolado do resto do mundo. Ao mesmo tempo em que artistas como a própria diretora e Scholles viveram para o mundo e construíram pontes, sem nunca deixar suas raízes.
Acho que essa mistura de aproximação e estranhamento se dá pelo fato de Rejane Zilles pouco se colocar em tela, mas sua essência também estar ali. Ela fala de "sua gente" e, por vezes, interage de maneira intensa com eles, como quando deixa lerem seu "horóscopo" nas cartas ou quando um dos entrevistados fala de seu pai. Mas, o que ela busca, além de mostrar Walachai para o mundo, assim como Jamerthal, Batatenthal, Padre Eterno e Frankenthal, é falar desse sentimento de busca por suas raízes, pela tradição e resgate do passado. Um filme instigante e belo.
Assista também o curta-metragem O Livro de Walachai.
Walachai (Walachai, 2013 / Brasil)
Direção: Rejane Zilles
Roteiro: Rejane Zilles
Duração: 103 min.