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Entrevistas exclusivas - Bacurau

Entrevista exclusiva - Bacurau

Premiado em Cannes com o prêmio do júri, Bacurau é o quarto longa-metragem de Kleber Mendonça Filho (terceiro de ficção), agora em parceria com Juliano Dornelles, que trabalhou como diretor de arte em todos os demais trabalhos. Uma obra pulsante, que mistura gêneros cinematográficos e cria uma fábula futurista no sertão nordestino capaz de dialogar com nossa história e com o momento atual do país.

Lançado oficialmente nos cinemas comerciais na última quinta-feira, a obra teve sessões especiais de pré-estreia com a presença dos diretores e elenco em várias cidades do país. Aqui em Salvador, pudemos conversar um pouco com os dois e a atriz baiana Luciana Souza, vinda do bando do teatro Olodum que ficou mais conhecida do grande público a partir do filme Ó Paí, Ó onde interpretou Dona Joana. Confira abaixo:

Entrevista exclusiva com Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

CinePipocaCult - Olá, parabéns aos dois pelo trabalho. Queria começar com vocês contando como surgiu a ideia do filme e o processo de construção do mesmo em conjunto, como co-direção.

Entrevista exclusiva - BacurauJuliano - Em 2009, a gente foi ao Festival de Brasília para apresentar o curta-metragem Recife Frio do Kleber e lá começou a conversar sobre questões que a gente vinha observando sobre a representação das pessoas que viviam em lugares mais afastados na mídia em geral, no jornalismo, nas telenovelas, nos cinemas, nos documentários. Essa visão um pouco restritiva das pessoas do interior como pessoas simples. A gente não concordava com isso e gerou um incômodo que começou a nascer a necessidade de falar sobre isso. Aí virou um filme de gênero. Queria fazer um filme onde essas pessoas surpreendessem de alguma forma.

Kleber - Surpreendesse não a gente, mas a cultura, os seus antagonistas. Sempre foi um filme de embate que é a estrutura clássica do western, dois lados em embate.

Juliano - A gente começou a submeter o projeto a editais. Enquanto isso, outros filmes foram surgindo e Bacurau ficou “decantando”, algumas ideias caiam, outras entravam. Aí teve um momento em que o filme deu uma guinada, a gente já estava com a infra toda para fazer o filme. Kleber terminou as etapas de lançamentos de Aquarius e a gente sentou para escrever, um período longo de oito meses, e chegou nessa versão mais próxima do que está na tela.

Kleber – Quando você faz um filme é um pouco como querer participar de uma roda de conversa e você levanta a mão dizendo que quer fazer uma colocação. Eu sempre penso assim. O Som Ao Redor foi assim, Aquarius foi assim e Bacurau foi muito assim. Eu e Juliano querendo fazer uma colocação.

CinePipocaCult - Bacurau é um western, é uma ficção científica, mas é também um filme bem brasileiro, com linguagem própria, com metáforas sobre nossa história. E é algo que vemos muito na sua filmografia, Kleber, desde os curtas você utiliza elementos de gênero e constrói uma espécie de gênero próprio. Você pensa nessas questões quando vai começar a construir um projeto novo? Qual suas referências?

Kleber – É difícil falar. É mais fácil o observador, observadora, falar do que a gente, porque nada é feito de maneira calculada, o roteiro vai se desenvolvendo a partir dele mesmo, são situações que vão se desenvolvendo de maneira não cartesiana, é um processo orgânico e precisa de tempo para existir. Mas existia sempre o desejo de fazer um tipo de filme que o cinema brasileiro não faz muito, um filme de aventura, um western, um filme de horror, com um pouco de ficção científica. Agora, um coisa é você querer fazer isso, outra coisa é você conseguir fazer isso. E aí, foi muito tempo de trabalho e conversa. Então, é difícil de explicar essa mistura porque não vem de uma fórmula. Sobre referências, eu falei outro dia de Madadayo que é um filme de (Akira) Kurosawa de 1973 e tem um professor que morre e tem um enterro que é muito festivo, porque eles estão celebrando a vida que ele teve, não a morte, então, tem um pouco disso no enterro de Carmelita no início. Mas eu só fui pensar nisso semana passada (risos). Filmes e livros são como pessoas. Um tio que você ama, ou aquele amigo da faculdade que você nunca mais viu. Aí quando você vê está lembrando daquela pessoa e aí sai no texto que você está escrevendo.

Juliano – Isso acontece em muitos níveis. Você, as vezes, admira muito alguém e convive muito com essa pessoa, aí começa a falar parecido. Isso funciona também com o cinema. John Carpenter enquadra o filme de uma maneira muito específica e muito incrível, então a gente vai repetir isso.

Entrevista exclusiva - BacurauKleber – Mas não de uma maneira decalcada, de uma maneira sentida.

CinePipocaCult - A direção de arte de Bacurau é muito rica e bem cuidada, área que você sempre atuou (para Juliano). Como diretor, você também acabou se envolvendo com isso, ou deixou mais para a equipe de arte?

Juliano – Vou te dizer, de Aquarius para cá, Kleber se envolveu muito na direção de arte. E naturalmente que em Bacurau tinha que se fazer uma descoberta sobre esse futurismo que o filme propõe, então, a gente fez muito brainstorm com Thales (Junqueira) e Rita (Azevedo). Tanto o diretor de arte quanto a figurinista do filme são muito obsessivos, lhe preenchem de referências o tempo inteiro. Então a gente teve sorte com isso, porque eram duas pessoas muito aplicadas.

Kleber – Eu aprendi muito nos três filmes, porque O Som ao Redor era o realismo ao extremo. Era tipo, eu vou fazer um filme no Glauber, no cinema aqui em Salvador. Para mim está tudo pronto aqui, não tenho que fazer nada. O Aquarius não, eu precisa de um apartamento que fosse a representação física de Clara, aí é um trabalho muito sério de direção de arte que Juliano fez com Thales. E Bacurau...

Juliano – Não que O Som ao Redor não fosse um trabalho sério, porque tinha muita coisa que a gente fazia e Kleber nem sabia.

Kleber – Sim, claro. Mas para mim, um apartamento era um apartamento. Se eles estavam fazendo outras coisas, beleza. Tudo certo. O apartamento de Clara não, era uma pessoa quase. Aí eles começaram a me ver fazendo perguntas sobre objetos. E foi um trabalho brilhante. Já Bacurau é uma fantasia.

Entrevista exclusiva - BacurauCinePipocaCult - Kleber, você vem da crítica. Hoje na posição de cineasta, como você vê isso. As críticas te incomodam? Você lê?

Kleber – Eu acho que tenho uma relação muito tranquila com a crítica, tanto a positiva quanto a negativa. Acho que faz parte. É um privilégio ter cem pessoas escrevendo sobre seu filme. Filmes dos quais normalmente ninguém escreve. Eu posso concordar com uma crítica positiva ou negativa, como posso discordar delas. Mas não vou também tornar isso público. Falo para minha companheira, pro Juliano, pessoa próximas. E acho que a crítica é parte natural do processo.

Juliano – Eu acho fundamental. Você entende coisas novas sobre seu próprio filme. E a gente vive em um país que se pretende ainda democrático, as pessoas tem direito de ter opinião sobre qualquer coisa. Você joga o filme no mundo e tem que ouvir. Tá tudo certo achar o filme uma merda.


Entrevista exclusiva com Luciana Souza

CinePipocaCult - Olá, Luciana, parabéns pelo trabalho, conta um pouco como você entrou em Bacurau.
Luciana – Eu participei de uma seleção. Foram três ou quatro momentos, primeiro com a produção e o último encontro já foi com Kleber e Juliano, que vieram aqui em Salvador para me conhecer. Então foi muito legal esse encontro e foi algo muito feliz, eu me encaixava naquilo que eles queriam para a personagem.

Entrevista exclusiva - BacurauCinePipocaCult - E conta um pouco sobre Isa, sua personagem.
Luciana – Meu personagem se chama Isa, ela é uma museóloga, uma pessoa que cuida da história da cidade, existe um museu, o museu de Bacurau. Ela é moradora desse lugar e participa da vida dessa comunidade.

CinePipocaCult - Como foi contracenar com Sônia Braga?
Luciana – Não é fácil (risos), não é fácil contracenar com Sônia Braga pela pessoa que ela é, pelo que ela representa, pela história que ela tem na arte, reconhecida internacionalmente. Mas é alguém que a gente tem que observar muito para aprender. Então, eu estava ali do lado dela como uma aprendiz. E ela tem muita coisa para passar, um olhar, uma fala, um gesto. É tudo muito ensinamento. Não só de atuação, mas ensinamento técnico e estético. Porque com a experiência que ela tem, diz essa luz não é boa, esse ângulo não é bom. Então, tudo é um aprendizado.

CinePipocaCult - E sobre o filme, como você definiria a proposta da obra?
Luciana – Bacurau é uma história muito importante, a história do nosso Brasil, da nossa sociedade, das questões sociais do nosso país que não são histórias só de agora, que já vem de muito tempo, mas que por estarmos vivendo agora esse reboliço não só político, mas existencial até. Então, o filme vem com essa força, uma voz que vai falar por muitas vozes. A gente vive com uma ferida muito grande da escravidão, da colonização, e Bacurau salta também como um protesto.

Entrevista exclusiva - BacurauCinePipocaCult - E sobre esse momento atual do cinema brasileiro, com tantas produções importantes como essa, com reconhecimento internacional e ao mesmo tempo as ameaças de fim das políticas públicas. Como fica essa resistência?
Luciana – É resistência mesmo, você utilizou a palavra certa. Fazer cinema não é uma coisa fácil. Esse fazer é caro, dá trabalho. E não é fácil para uma atriz negra, nordestina, fazer cinema. Então a gente abraça as oportunidades. O cinema Pernambucano tem tido uma crescente muito grande. Os diretores tem tido uma ascensão e reconhecimento em geral. Ir a Cannes e ser premiado foi uma oportunidade incrível. Eu estava falando outro dia que a gente faz arte porque a gente gosta, faz arte sem dinheiro, mas com toda retaliação, todo desmando, a gente vai continuar fazendo, porque é nosso papel, nossa forma de viver.

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