É raro um cineasta marcar a história do cinema desde sua primeira obra. Jordan Peele conseguiu esse feito com Corra (2017) não apenas pelo plot twist e questões raciais tão bem desenvolvidas, mas pela própria forma como subverteu o gênero de horror e apresentou uma obra intensa, inteligente e bem dirigida. Não por acaso, Corra entrou pra lista dos filmes do ano, levando diversos prêmios, inclusive o Oscar de melhor roteiro original.
Não! Não olhe!
É raro um cineasta marcar a história do cinema desde sua primeira obra. Jordan Peele conseguiu esse feito com Corra (2017) não apenas pelo plot twist e questões raciais tão bem desenvolvidas, mas pela própria forma como subverteu o gênero de horror e apresentou uma obra intensa, inteligente e bem dirigida. Não por acaso, Corra entrou pra lista dos filmes do ano, levando diversos prêmios, inclusive o Oscar de melhor roteiro original.
Seu segundo filme, Nós (2019) seguiu a mesma linha, deixando ainda mais explícita a crítica social e a construção da ideia de América tão cara aos estadunidenses. Já em Não! Não olhe!, terceiro longa, a crítica é mais sutil, apresentando camadas profundas e confirmando as marcas autorais de Jordan Peele e sua paixão pelo cinema e gênero de horror.
Na trama, uma família é surpreendida por objetos que caem do céu e matam o patriarca, fazendo com que seus filhos, O.J. e Emerald, sigam com a tradição de criar cavalos para filmes de Hollywood. O problema é que o estranho fenômeno continua aparecendo no céu da fazenda e eles terão que investigar, dando início à jornada comum à maioria dos filmes de terror que trazem temáticas parecidas, mas com algumas pitadas bem originais, a começar pela divisão do roteiro em partes intituladas com os nomes dos cavalos da família.
O que mais chama a atenção na obra de Peele é a maneira como ele subverte a lógica dos filmes e as camadas de críticas e afirmações raciais em símbolos e referências que vão dialogando com a plateia de diversas maneiras. Destrinchar todas aqui seria dar spoilers, então, busquemos analisar pistas iniciais que nos conduzem a reflexões também diversas.
A começar pela escolha do ponto de vista e protagonistas da obra. Claro, a família de fazendeiros, adestradores de cavalos é negra. O fato deles estarem adestrando os cavalos que farão os filmes para astros e estrelas brancas montarem já dá ótimas discussões. Se observarmos a cara de medo da atriz ao olhar para a personagem de Daniel Kaluuya e perguntar se o nome dele é mesmo O.J. já nos leva a mais uma camada. E quando a personagem de Keke Palmer aparece para dar as instruções de segurança e conta uma história do início do cinema, Jordan Peele expõe ainda mais claramente o que pensa sobre a indústria.
É curioso que ainda que o nome Alistair E. Haywood seja fictício, um dos primeiros experimentos da imagem em movimento feita por Eadweard Muybridge realmente tem um jóquei em cima do cavalo, que ninguém sabe o nome, pois não foi creditado. Mas pela imagem, já que ele estava com roupas longas e uma máscara também não dá para afirmar que seja um homem negro. De qualquer maneira, isso pouco importa diante do ponto de vista defendido pela personagem. E mais interessante ainda é perceber que, nessa primeira aparição, ela está vestida de verde e rosa, que são as cores da fraternidade Alpha Kappa Alpha da Howard University, primeira fraternidade de mulheres afrodescendentes da história.
Vale observar também que o filme começa com uma cena enigmática de um estúdio de um sitcom destruído e um chimpanzé sujo de sangue. Essa cena aparentemente desconexa será revelada aos poucos trazendo também diversas reflexões e camadas. Atenção especial para uma personagem contando sobre o caso e falando sobre a versão do Saturday Night Show. E para uma cena de cumprimento com soquinho na mão que amplia ainda mais o significado dessa cena e sua relação com o resto da obra.
Ainda que pudéssemos tirar ou não perceber todas essas camadas, não dá para dizer que Não! Não olhe! é simplesmente mais um filme de horror. A própria maneira como a família lida com o fenômeno e o interesse em levar para o programa de Oprah já demonstra isso. Há aqui também uma declaração de amor ao cinema, com diversas referências e camadas, inclusive ao cinema tradicional, a película. Tudo isso decupado de uma maneira extremamente cuidadosa e com cenas que tirar o fôlego.
Não! Não olhe! é mais um daqueles filmes de horror que dialogam com o nosso mundo em diversas camadas, nos fazendo refletir, mas também construindo efeitos de tensão e envolvimento que nos deixam com os olhos grudados na tela pelas longas duas horas e dez minutos de projeção. E nem parece que o tempo passou.
Não! Não olhe! (NOPE, 2022/ EUA)
Direção: Jordan Peele
Roteiro: Jordan Peele
Com: Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Steven Yeun, Michael Wincott, Wrenn Schmidt, Keith David
Duração: 130 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Não! Não olhe!
2022-08-24T14:44:00-03:00
Amanda Aouad
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