Besouro
A expectativa nunca é uma boa amiga. Esperei tanto por esse filme que ao assisti-lo me senti da mesma forma que Walter da Silveira ao ver Bahia de Todos os Santos, frustrada. Tal qual o antigo crítico baiano eu esperei ver uma revolução cinematográfica e me decepcionei, não era o filme que esperava. Mas também não é uma desilusão total. As belas cenas de ação estão ali, a capoeira é reverenciada e o jogo de cenas final é muito bom, fechando bem a história. Se toda a projeção fosse igual aos seus vinte minutos finais, seria um grande filme.
Besouro tem problemas de direção, tem problemas de elenco, mas principalmente, tem problemas de roteiro. Se era para fazer um filme comercial, Patrícia Andrade poderia recorrer à trajetória do herói traçada por Joseph Campbell e traduzida passo a passo por Christopher Vogler. Seria um belo filme. Suas escolhas, no entanto, são confusas e o nascimento do herói dá-se em um passe de mágica que fica pouco crível, por mais que os Orixás sejam forças poderosas. Tirando essa premissa básica, o filme começa com um didatismo insuportável. Primeiro temos uma cartela com um texto explicando a época e a situação do negro, como se não bastasse ouvirmos a voz over de Milton Gonçalves narrando-o. A maioria das pessoas não conhece a história do Brasil? É verdade, mas será que era tão necessária assim aquela informação? No início do cinema, os filmes possuíam um prólogo, tudo era muito recente e as pessoas poderiam se perder. Mas, hoje, mais de cem anos depois, o espectador está refinado, certas explicações são mais do que dispensáveis. Gostamos de ir descobrindo o filme aos poucos, principalmente com imagens. Cinema é imagem, não é texto. E o pior é ver a mesma cartela voltar para fechar o filme com uma explicação pífia. Do jeito que o texto (e a voz inconfundível de Milton Gonçalves, não esqueçam) fala, fica parecendo que a luta de Besouro era apenas para regularizar a situação da capoeira. E a situação do negro, como é que fica?
Apesar de toda explicação inicial, o roteiro ainda insiste na linguagem didática. O filme começa com diálogos forçados que não tem como soar naturais em uma construção paralela óbvia que não gera o impacto necessário para o espectador se identificar com o protagonista. As situações vão sendo jogadas na tela e não convencem. A aparição dos Orixás também não foge ao didatismo com uma apresentação de cada ser e suas características que no geral estão bem desenvolvidas, com exceção de Oxum que ganha um sentimento de maternidade que não condiz com sua personalidade. Pensei que veria um treinamento mais gradativo e, do jeito que o roteiro constrói, Exu fica deslocado. Mas como é ele quem abre os caminhos, sua aparição abre uma brecha para o filme começar a engrenar. Após a cena na feira, a história melhora sensivelmente, com a ação tomando conta da tela. Para não dizer que só falei mal do roteiro, a virada final é muito boa, uma construção inteligente, visual e satisfatória. Ela não podia fazer isso desde o início?
Mas, se o roteito é fraco, a direção também não ajuda. O início do filme é claustrofóbico, com excesso de enquadramentos fechados. Aquele velho vício televisivo. O espectador urge por uma imagem aberta, por um movimento de câmera que o situe na locação, por um olhar que contemple a história e ajude a contruir o pacote de efeitos. Raros são os momentos como a câmera subjetiva do besouro pela feira. O recôncavo baiano e a Chapada Diamantina tem paisagens tão belas, ele poderia tê-las explorado melhor. Mesmo as cenas de luta, são pouco aproveitadas pelas câmeras. O chinês Hiuen Chiu Ku fez a sua parte, mas João Daniel não soube aproveitar a plástica e estética que tinha nas mãos para construir cenas memoráveis. Ainda assim, tem bons momentos como quando quebram a perna de Chico, a luta na árvore de Besouro e Quero-Quero, a já falada cena final e, principalmente, o belo balé-capoeira entre Besouro e Dinorá, disparado a melhor cena do filme.
O elenco, quase todo novato, foi um desafio a parte. Claro que Fátima Toledo tem uma técnica boa e consegue construir exercícios incríveis. Mas, com diálogos forçados e enquadramento fechado fica complicado para os estreantes. Anderson Santos de Jesus (o Quero-quero) é o mais caricatural, tendo cenas complicadas, com entonação errada e dificuldades em expressar emoção. Em contrapartida temos Irandhir Santos, ator já experiente e grande nome do filme com seu feitor Noca de Antonia. Flavio Rocha também está bem como o coronel Venâncio e Macalé cumpre o seu papel como o mestre Alípio. Sergio Laurentino tem um papel fundamental como Exu e consegue manter-se neutro como a entidade deve ser. Ailton Carmo encara a grande responsabilidade de protagonista com momentos difíceis que não comprometem a história e outros bem interessantes. O mesmo pode-se dizer de Jéssica Barbosa e sua Dinorá.
Besouro é o filme mais caro já produzido da história do cinema brasileiro. Fala de um assunto necessário, da nossa cultura, de um herói de verdade, com uma linguagem de ação em uma tentativa de inovação no filme de gênero no país. Por isso a expectativa era grande. Vindo da publicidade (mesma escola de Fernando Meirelles) e tendo estudado tantos anos na França, esperava um apuro cinematográfico maior de João Daniel Tikhomiroff. Sua iniciativa, no entanto, é louvável. Por isso, bati palmas no final.
Besouro tem problemas de direção, tem problemas de elenco, mas principalmente, tem problemas de roteiro. Se era para fazer um filme comercial, Patrícia Andrade poderia recorrer à trajetória do herói traçada por Joseph Campbell e traduzida passo a passo por Christopher Vogler. Seria um belo filme. Suas escolhas, no entanto, são confusas e o nascimento do herói dá-se em um passe de mágica que fica pouco crível, por mais que os Orixás sejam forças poderosas. Tirando essa premissa básica, o filme começa com um didatismo insuportável. Primeiro temos uma cartela com um texto explicando a época e a situação do negro, como se não bastasse ouvirmos a voz over de Milton Gonçalves narrando-o. A maioria das pessoas não conhece a história do Brasil? É verdade, mas será que era tão necessária assim aquela informação? No início do cinema, os filmes possuíam um prólogo, tudo era muito recente e as pessoas poderiam se perder. Mas, hoje, mais de cem anos depois, o espectador está refinado, certas explicações são mais do que dispensáveis. Gostamos de ir descobrindo o filme aos poucos, principalmente com imagens. Cinema é imagem, não é texto. E o pior é ver a mesma cartela voltar para fechar o filme com uma explicação pífia. Do jeito que o texto (e a voz inconfundível de Milton Gonçalves, não esqueçam) fala, fica parecendo que a luta de Besouro era apenas para regularizar a situação da capoeira. E a situação do negro, como é que fica?
Apesar de toda explicação inicial, o roteiro ainda insiste na linguagem didática. O filme começa com diálogos forçados que não tem como soar naturais em uma construção paralela óbvia que não gera o impacto necessário para o espectador se identificar com o protagonista. As situações vão sendo jogadas na tela e não convencem. A aparição dos Orixás também não foge ao didatismo com uma apresentação de cada ser e suas características que no geral estão bem desenvolvidas, com exceção de Oxum que ganha um sentimento de maternidade que não condiz com sua personalidade. Pensei que veria um treinamento mais gradativo e, do jeito que o roteiro constrói, Exu fica deslocado. Mas como é ele quem abre os caminhos, sua aparição abre uma brecha para o filme começar a engrenar. Após a cena na feira, a história melhora sensivelmente, com a ação tomando conta da tela. Para não dizer que só falei mal do roteiro, a virada final é muito boa, uma construção inteligente, visual e satisfatória. Ela não podia fazer isso desde o início?
Mas, se o roteito é fraco, a direção também não ajuda. O início do filme é claustrofóbico, com excesso de enquadramentos fechados. Aquele velho vício televisivo. O espectador urge por uma imagem aberta, por um movimento de câmera que o situe na locação, por um olhar que contemple a história e ajude a contruir o pacote de efeitos. Raros são os momentos como a câmera subjetiva do besouro pela feira. O recôncavo baiano e a Chapada Diamantina tem paisagens tão belas, ele poderia tê-las explorado melhor. Mesmo as cenas de luta, são pouco aproveitadas pelas câmeras. O chinês Hiuen Chiu Ku fez a sua parte, mas João Daniel não soube aproveitar a plástica e estética que tinha nas mãos para construir cenas memoráveis. Ainda assim, tem bons momentos como quando quebram a perna de Chico, a luta na árvore de Besouro e Quero-Quero, a já falada cena final e, principalmente, o belo balé-capoeira entre Besouro e Dinorá, disparado a melhor cena do filme.
O elenco, quase todo novato, foi um desafio a parte. Claro que Fátima Toledo tem uma técnica boa e consegue construir exercícios incríveis. Mas, com diálogos forçados e enquadramento fechado fica complicado para os estreantes. Anderson Santos de Jesus (o Quero-quero) é o mais caricatural, tendo cenas complicadas, com entonação errada e dificuldades em expressar emoção. Em contrapartida temos Irandhir Santos, ator já experiente e grande nome do filme com seu feitor Noca de Antonia. Flavio Rocha também está bem como o coronel Venâncio e Macalé cumpre o seu papel como o mestre Alípio. Sergio Laurentino tem um papel fundamental como Exu e consegue manter-se neutro como a entidade deve ser. Ailton Carmo encara a grande responsabilidade de protagonista com momentos difíceis que não comprometem a história e outros bem interessantes. O mesmo pode-se dizer de Jéssica Barbosa e sua Dinorá.
Besouro é o filme mais caro já produzido da história do cinema brasileiro. Fala de um assunto necessário, da nossa cultura, de um herói de verdade, com uma linguagem de ação em uma tentativa de inovação no filme de gênero no país. Por isso a expectativa era grande. Vindo da publicidade (mesma escola de Fernando Meirelles) e tendo estudado tantos anos na França, esperava um apuro cinematográfico maior de João Daniel Tikhomiroff. Sua iniciativa, no entanto, é louvável. Por isso, bati palmas no final.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Besouro
2009-10-26T08:36:00-03:00
Amanda Aouad
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