Narradores de Javé
Nos confins do mundo, esquecido em um vale em pleno Nordeste está o povoado de Javé. Ameaçado por uma represa que está prestes a se instalar ali, a população local precisa provar seu valor histórico para não ver suas casas afundar. Mas, como provar o valor de um povo semi-analfabeto que vive totalmente da oralidade passada de pai para filho? Talvez como um resgate de nossa mais pura origem, ali, Javé já valesse ser ouvida. E é assim que Eliane Caffé constrói a sua história, que não apenas dirige como assina o roteiro junto a Luiz Alberto de Abreu.
Javé é uma cidade fictícia, mas poderia ser qualquer uma. Repleta de lendas, mitos e embalos culturais desse país tão rico. O filme é divertido, emocionante, envolvente na sutileza de cada cena. A construção de cada personagem daquele povoado é uma verdadeira aula de roteiro. São tipos que encontramos por aí, e interpretados de forma tão natural nos parece um recorte da vida simples, que pode se tornar tão complexa. Para contar a história de Javé e seu povo, Caffé recorre a história dentro da história, dentro da história. Talvez o primeiro nível, no bar, nem fosse necessário, mas acaba ocupando a função de passar a emoção de nós, espectadores ao ouvir a jornada "javistica".
No bar, Rui Resende, personagem de Nelson Xavier, conta ao colegas de trabalho a história da terra onde nasceu: Javé, um povoado que foi surpreendido pela construção de uma usina hidrelétrica. É dele a idéia de escrever o valor daquele local para convencer os engenheiros. Como a maioria é analfabeta, têm que recorrer ao antigo carteiro local, atualmente banido da cidade por ter escrito cartas difamatórias dos moradores na tentativa de manter o correio funcionando e, consequentemente, seu emprego. Antônio Biá, em uma interpretação magistral de José Dumont, é o típico malandro nordestino, já retratado em tantas peças e filmes. É aquele que acredita que para tudo tem um jeitinho brasileiro a ser dado e vai levando sua vida sem muito comprometimento.
A tarefa de escrever um livro sobre aquele local não é fácil. Afinal, como contar o que é passado de boca em boca? "Quem conta um conto aumenta um ponto", e Biá se vê em versões infinitas da história do povoado, pois cada morador tem seu próprio ponto de vista, sempre valorizando o próprio antepassado. As histórias narradas que são mostradas no terceiro nível da narrativa, são engraçadíssimas. Sempre com um tom sátiro e brejeiro, tornando tudo ainda mais interessante. Em dado momento, esquecemos o bar e ficamos apenas com Javé e suas histórias. E tudo flui com naturalidade, sem didatismo ou apelos. Caminhamos por uma linha tênue do que seja verdade ou mentira, com uma fotografia discreta e o verbo como ator principal.
Por estarmos presos a oralidade, tudo ali tem o tom de fábula. Ficamos esperando a moral de cada história, a distração de cada tipo representado, a construção da verdade que nos ilude ou da mentira que desconfiamos. Afinal, encontramos a outra função do primeiro nível da história, o grupo no bar. Tudo o que vemos é contado por Rui Resende que por sua vez diz reproduzir o que está no livro de Biá. Ele não estava na cidade naquele momento, sai logo no início para negociar com os engenheiros deixando o "escrivinhador" com os narradores locais. É genial essa construção cíclica, afinal, nunca saberemos o que foi ou deixou de ser. São apenas histórias passadas. Histórias que sempre fascinaram o homem e que também são a base da arte cinematográfica.
Talvez por isso, Narradores de Javé tenha feito tanto sucesso pelo Brasil. E não se pode analisá-lo, nem falar dele de uma forma técnica, pois é pura emoção cultural. Pra isso também precisamos de bons filmes brasileiros. Para contar nossas histórias, nossa cultura e passá-las de forma natural tornando-as universais.
Javé é uma cidade fictícia, mas poderia ser qualquer uma. Repleta de lendas, mitos e embalos culturais desse país tão rico. O filme é divertido, emocionante, envolvente na sutileza de cada cena. A construção de cada personagem daquele povoado é uma verdadeira aula de roteiro. São tipos que encontramos por aí, e interpretados de forma tão natural nos parece um recorte da vida simples, que pode se tornar tão complexa. Para contar a história de Javé e seu povo, Caffé recorre a história dentro da história, dentro da história. Talvez o primeiro nível, no bar, nem fosse necessário, mas acaba ocupando a função de passar a emoção de nós, espectadores ao ouvir a jornada "javistica".
No bar, Rui Resende, personagem de Nelson Xavier, conta ao colegas de trabalho a história da terra onde nasceu: Javé, um povoado que foi surpreendido pela construção de uma usina hidrelétrica. É dele a idéia de escrever o valor daquele local para convencer os engenheiros. Como a maioria é analfabeta, têm que recorrer ao antigo carteiro local, atualmente banido da cidade por ter escrito cartas difamatórias dos moradores na tentativa de manter o correio funcionando e, consequentemente, seu emprego. Antônio Biá, em uma interpretação magistral de José Dumont, é o típico malandro nordestino, já retratado em tantas peças e filmes. É aquele que acredita que para tudo tem um jeitinho brasileiro a ser dado e vai levando sua vida sem muito comprometimento.
A tarefa de escrever um livro sobre aquele local não é fácil. Afinal, como contar o que é passado de boca em boca? "Quem conta um conto aumenta um ponto", e Biá se vê em versões infinitas da história do povoado, pois cada morador tem seu próprio ponto de vista, sempre valorizando o próprio antepassado. As histórias narradas que são mostradas no terceiro nível da narrativa, são engraçadíssimas. Sempre com um tom sátiro e brejeiro, tornando tudo ainda mais interessante. Em dado momento, esquecemos o bar e ficamos apenas com Javé e suas histórias. E tudo flui com naturalidade, sem didatismo ou apelos. Caminhamos por uma linha tênue do que seja verdade ou mentira, com uma fotografia discreta e o verbo como ator principal.
Por estarmos presos a oralidade, tudo ali tem o tom de fábula. Ficamos esperando a moral de cada história, a distração de cada tipo representado, a construção da verdade que nos ilude ou da mentira que desconfiamos. Afinal, encontramos a outra função do primeiro nível da história, o grupo no bar. Tudo o que vemos é contado por Rui Resende que por sua vez diz reproduzir o que está no livro de Biá. Ele não estava na cidade naquele momento, sai logo no início para negociar com os engenheiros deixando o "escrivinhador" com os narradores locais. É genial essa construção cíclica, afinal, nunca saberemos o que foi ou deixou de ser. São apenas histórias passadas. Histórias que sempre fascinaram o homem e que também são a base da arte cinematográfica.
Talvez por isso, Narradores de Javé tenha feito tanto sucesso pelo Brasil. E não se pode analisá-lo, nem falar dele de uma forma técnica, pois é pura emoção cultural. Pra isso também precisamos de bons filmes brasileiros. Para contar nossas histórias, nossa cultura e passá-las de forma natural tornando-as universais.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Narradores de Javé
2010-08-23T09:15:00-03:00
Amanda Aouad
cinema brasileiro|comedia|critica|drama|filme brasileiro|José Dumont|
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