![José Dumont José Dumont](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZzplWJpjLEHc25b26DFW4SpNwjmg9ZT90qmn-M_0gaH4Ai6RNlrBKk1oVIEt19nWK-I4KhA1lnDLIGSb3loAZvKq5hb0OXs95v-fWcqHuQgeiPKcXVN0Rp_lJEBiz92-P_sx-piO9b9U/s320/jose-dumont-01.jpg)
Nos confins do mundo, esquecido em um vale em pleno Nordeste está o povoado de Javé. Ameaçado por uma represa que está prestes a se instalar ali, a população local precisa provar seu valor histórico para não ver suas casas afundar. Mas, como provar o valor de um povo semi-analfabeto que vive totalmente da oralidade passada de pai para filho? Talvez como um resgate de nossa mais pura origem, ali, Javé já valesse ser ouvida. E é assim que Eliane Caffé constrói a sua história, que não apenas dirige como assina o roteiro junto a Luiz Alberto de Abreu.
Javé é uma cidade fictícia, mas poderia ser qualquer uma. Repleta de lendas, mitos e embalos culturais desse país tão rico. O filme é divertido, emocionante, envolvente na sutileza de cada cena. A construção de cada personagem daquele povoado é uma verdadeira aula de roteiro. São tipos que encontramos por aí, e interpretados de forma tão natural nos parece um recorte da vida simples, que pode se tornar tão complexa. Para contar a história de Javé e seu povo, Caffé recorre a história dentro da história, dentro da história. Talvez o primeiro nível, no bar, nem fosse necessário, mas acaba ocupando a função de passar a emoção de nós, espectadores ao ouvir a jornada "javistica".
![José Dumont José Dumont](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjhT5qIyhaQp03fqGKbz7VLYjT-Ldo1r7KAa6KvFcYRznESHsHJamAzXXjMnwFkyJIIXwULtXXXNzc44AdeNPqBa8fV1NdZByw_MxC6geJ4-7q89GhM6b2bocuqgKU9adYTp9M8kdySz4/s320/jose-dumont.jpg)
No bar, Rui Resende, personagem de Nelson Xavier, conta ao colegas de trabalho a história da terra onde nasceu: Javé, um povoado que foi surpreendido pela construção de uma usina hidrelétrica. É dele a idéia de escrever o valor daquele local para convencer os engenheiros. Como a maioria é analfabeta, têm que recorrer ao antigo carteiro local, atualmente banido da cidade por ter escrito cartas difamatórias dos moradores na tentativa de manter o correio funcionando e, consequentemente, seu emprego. Antônio Biá, em uma interpretação magistral de José Dumont, é o típico malandro nordestino, já retratado em tantas peças e filmes. É aquele que acredita que para tudo tem um jeitinho brasileiro a ser dado e vai levando sua vida sem muito comprometimento.
A tarefa de escrever um livro sobre aquele local não é fácil. Afinal, como contar o que é passado de boca em boca? "Quem conta um conto aumenta um ponto", e Biá se vê em versões infinitas da história do povoado, pois cada morador tem seu próprio ponto de vista, sempre valorizando o próprio antepassado. As histórias narradas que são mostradas no terceiro nível da narrativa, são engraçadíssimas. Sempre com um tom sátiro e brejeiro, tornando tudo ainda mais interessante. Em dado momento, esquecemos o bar e ficamos apenas com Javé e suas histórias. E tudo flui com naturalidade, sem didatismo ou apelos. Caminhamos por uma linha tênue do que seja verdade ou mentira, com uma fotografia discreta e o verbo como ator principal.
![Narradores de Javé Narradores de Javé](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSHkVtPbKj9D99FQOaoIBc4aJiBq1Pz5pu7jamTQx9_c1EypYHjZkTB_d-KjeX_hy7x-wQ09eU_IdHpjyBtVlrhOxTHmV7dzQ02NvJi0QLHfNx3BmmcBzsvjKsdFHgQQna7_fcwLGoKM8/s320/narradores-de-jave-poster.jpg)
Por estarmos presos a oralidade, tudo ali tem o tom de fábula. Ficamos esperando a moral de cada história, a distração de cada tipo representado, a construção da verdade que nos ilude ou da mentira que desconfiamos. Afinal, encontramos a outra função do primeiro nível da história, o grupo no bar. Tudo o que vemos é contado por Rui Resende que por sua vez diz reproduzir o que está no livro de Biá. Ele não estava na cidade naquele momento, sai logo no início para negociar com os engenheiros deixando o "escrivinhador" com os narradores locais. É genial essa construção cíclica, afinal, nunca saberemos o que foi ou deixou de ser. São apenas histórias passadas. Histórias que sempre fascinaram o homem e que também são a base da arte cinematográfica.
Talvez por isso, Narradores de Javé tenha feito tanto sucesso pelo Brasil. E não se pode analisá-lo, nem falar dele de uma forma técnica, pois é pura emoção cultural. Pra isso também precisamos de bons filmes brasileiros. Para contar nossas histórias, nossa cultura e passá-las de forma natural tornando-as universais.